Quando eu tinha 16 anos, os meus pais ofereceram-me uma máquina fotográfica, mais propriamente uma Zenit com uma lente em rosca de 50mm. Posso dizer que talvez tenha sido das melhores prendas que tive na minha vida. A minha paixão por fotografia estava a despontar e, de repente, tinha um propósito constante. A partir do dia em que me ofereceram a máquina, nunca mais saí sem ela a tira-colo. E com ela nas mãos, o mundo passou imediatamente a ser um sítio muito mais interessante. Comecei a reparar em pormenores que nunca tinha observado, a conhecer pessoas que, de outro modo, seria mais difícil, aquela máquina tornou-se a minha ligação secreta para com um mundo sistematicamente interessante, sempre a acontecer à minha frente.
De vez em quando, vou pesquisar ao arquivo o que andei a fazer nesses tempos e hoje encontrei estas duas fotos, tiradas em Óbidos quando tinha uns 18 anos. Gosto do facto dos noivos terem deixado o homem da câmara para trás, há algo de inusitado neste momento à chuva naquelas ruas apertadas. Se não tivesse a minha câmara, este momento tinha sido apenas isso, um momento. Agora é outra coisa, é como se pudesse ecoar ao longo do tempo com outras leituras, outras reflexões.
Um dos grandes prazeres da minha vida continua a ser esse: andar por aí com uma máquina nas mãos. Claro que agora não tenho de contar o número de fotogramas que ainda tenho disponível (fotografo a maior parte das coisas em digital), mas continuo a ter o fascínio de descobrir o que está à minha volta, como se fosse uma aventura, como se estivesse a olhar para tudo pela primeira vez e com uma atenção redobrada.
Ontem caminhei durante 45 minutos numa zona residencial de Lisboa com a minha câmara. Partilho com vocês o que fotografei, uma série de pequenos eventos que de outra forma teriam passado ao lado dos meus olhos. Ontem dei por mim a olhar para o mundo e para os seus pormenores com a mesma curiosidade com que espreitei pelo vidro da Zenit pela primeira vez.
Acredito que um dos segredos da criatividade é a sistemática curiosidade que move o espírito. E não consigo pensar em forma melhor de mantê-la do que andar por aí de câmara a tira-colo.
David
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